14 julho 2010

A gente vai colorindo a dor



A gente vai se esquecendo, vai mudando o foco, vai desaprendendo a lembrar, vai deixando de lado, vai se desprendendo, vai indo com as coisas, com o tempo, com a vida, com o vento frio, com a rotina...
A gente vai contando os passos, vai levando, vivendo como se não doesse, como se não importasse, como se não ferisse.
A gente vai disfarçando, como se não fosse visível, como se não ficasse fajuto, como se não estivesse na cara, como se fosse possível.
A gente vai se fechando, como se quem está fora não importasse mais, como se aqui dentro fosse mais seguro, como se ficar sozinho fosse o prêmio por nossa incapacidade de amar certo.
A gente vai colorindo a dor, disfarçando as ausências, chorando as partidas, esperando outra estação, outro inverno, outro trem, outro vôo.
A gente vai olhando os carros passando, a luz diminuindo, as faces despedaçadas e sem expressões, os verões esfriando, os sons se confundindo, o calçamento se desfazendo, a chuva caindo, o sinal fechado, as ruas chorando...
A gente vai falando coisas que machucam, coisas que deixam marcas, coisas que não importam, coisas desapercebidas...
A gente vai fugindo, como se não quisesse ficar, como se não fosse possível se reinventar, como se fazer as malas doesse menos que implorar por amor. 
A gente vai se sentindo sujo, vai virando lama, vai ouvindo xingamentos, vai levando tabefes, vai escondendo o rosto.
A gente vai cantando desesperadamente, como se assim resolvesse, como se assim tudo ficasse mais fácil, como se o mundo inteiro pudesse nos ouvir...
A gente vai sentindo saudade, vai revendo fotos, vai riscando poemas, vai lendo livros, relembrando promessas...
A gente vai se alimentando com sonhos, acreditando em ilusões, aprendendo a dar a mão, sentindo necessidade de um afago... Vai enfeitando a casa, limpando as estantes, abrindo as gavetas, escondendo o guarda-chuva, vai estrangulando a dor, vai dialogando com a solidão, vai pedindo licença a tristeza e vai sorrindo outra vez.

 

Mazes

3 comentários:

Emmanuel disse...

Tem que ir, parar é pior.

muito bom o texto.
=)

Júnior disse...

sempre fazemos isso, meu caro. preferimos assim.

Helena disse...

Sabe me identifico com seu texto... concordo plenamente! Parabéns!