12 março 2012

Queimaduras de segundo grau

Quem sobreviveu à época da adolescência no ambiente escolar, provavelmente irá sobreviver pra sempre em meio à selva que é viver. Porque aprendeu ainda no tempo de espinhas e beleza escondida, que o mundo pode ser muito mal. E só quem aguentou piadas, apelidos, perseguições, humilhações, chutes e pancadas, é que sabe o que é caminhar em paz por um corredor de escola quando se é adulto.
Obviamente, as alegrias que tivemos na época de escola foram muitas, e delas ainda hoje recordamos. Está nas fotos. Está nos sorrisos das fotos. Mas as cicatrizes provocadas pelas torturas, não foram eternizadas em imagens fotográficas, foram inscritas em nosso psiquismo ainda juvenil e retornam vez enquando a nossa consciência amadurecida.
Lembro da maldade estampada na cara de alguns colegas de sala, que pareciam viver simplesmente para tornar a vida dos ‘diferente’ um verdadeiro inferno. Não consigo precisar o que faltava em mim pra ser igual aos demais, mas sei que a cada ano que se passava, eu sempre estava na lista de vítimas desses valentões. E não era exclusividade apenas dos meninos não, as meninas também sabiam como ser cruel.
Talvez por meus dentes enormes em desacordo com meu rosto, talvez por não saber brigar, talvez por passar muito tempo na biblioteca lendo com medo do mundo, talvez por ficar mudo olhando pra o nada, talvez por não achar graça nas piadas que contavam, talvez por sempre ter sido magro demais, talvez por gostar de sentar lá na frente, talvez por achar as aulas de educação física chatas demais pra mim que gostava de tudo que era arte...
Talvez seja por isso que hoje em dia me recuso a encontrar alguns amigos do tempo de escola, queimaduras de segundo grau, como diz o Fabricio Carpinejar.
Hoje é bom olhar pra trás e ver que aquilo tudo passou e que eu sobrevivi, mas me preocupa saber que hoje em dia, aquilo que eu e muitos colegas sofremos tem nome científico e mesmo assim parece que pouca coisa mudou. Hoje chamam bullying o que na minha época era ‘coisa de criança e adolescente’, mas o cenário escolar parece continuar desatento a questões referentes à violência praticadas gratuitamente pelos alunos.
Esses dias, voltando ao ambiente escolar depois de tantos anos, agora como universitário e adulto, percebo o quanto é grande o desafio da educação. Chega a ser injusto ver na escola os professores tentarem dar conta do que em casa os pais não conseguem dar. A educação de base continua deficiente assim com a educação na escola e enquanto não houver um diálogo efetivo entre essas duas esferas, dificilmente as coisas iram melhorar.
Apesar da minha leitura crítica, fico feliz em ter tantos amigos que já lecionam mesmo ainda estando na faculdade e que são comprometidos com o fazem. É bom saber que existem pessoas que ainda acreditam na construção de uma sociedade mais consciente e mais cidadã. Não sou professor, não faço curso de licenciatura, mas lembro sempre da profecia que minha vó dizia e ainda diz sempre que vou visita-la: “Você vai ser o primeiro neto a casar, tenho certeza. E vai ser professor.” 
A primeira profecia não se realizou. Já tenho mais de 3 primos que casaram e já tem filhos e outros estão perto de se casarem. A segunda... Bom, eu já cansei de explicar a minha avó que eu vou ser Psicólogo, mas ela insiste. Então que a vida e a Psicologia me leve pra onde for.
                                                                                                                                           
                                                                                                                                      Mazes

04 março 2012

É preciso saber cuidar!


Dificilmente alguém que leu O Pequeno Príncipe ou O Principezinho do Exupéry, de 1943, não foi tocado pelo livro. Eu, na minha ilusão, sempre que ouvia falar no livro pensava: “Não vou ler um livro com esse título!” Acostumado com literaturas de nomes impactantes e ‘profundos’, passei anos da minha vida sem dialogar com o tal príncipe. Falo em diálogo, porque meus livros tem vida, converso com eles enquanto os devoro.
Conheci o livro através de um amor do passado. Amor ao qual eu fui do inicio ao fim o amante mais desajeitado que já existiu. Hoje assumo que naquela época, definitivamente, eu não tinha o menor talento para amar. Eu era o que podia se chamar de Ama – dor? Que bom que o tempo passa e algumas pessoas crescem!
Peguei o livro emprestado e devorei aquelas poucas páginas em tempo recorde. As frases do livro sobrevoaram meus pensamentos durante algumas semanas, talvez meses... Só uma frase do livro não conseguiu me ganhar e nisso eu não estou sozinho. Tenho o Rubens Alves ao meu lado pra me dar um apoio moral. O Rubens, que é o velhinho mais simpático que eu já li, concorda comigo que ser ‘eternamente responsável por aquilo que cativamos’ é uma tarefa árdua demais para alguém cumprir. O Rubens, que é talvez um dos poucos homens fruto do tempo da delicadeza, não concorda com tal frase e eu, na minha juventude digital, também me dou ao direito de não concordar.
O Exupéry que me perdoe, mas já passei da fase de carregar pesos desnecessários em minhas costas, e descobri há um tempo atrás que o amor não pode nos pesar demasiadamente, se não deixa de ser amor. Ser eternamente responsável pelo que cativamos é uma sentença da qual não merecemos, além do fato de ser humanamente impossível viver tranquilo tendo inscrito em nosso peito tamanha responsabilidade. Isso não pode ser traduzido como leviandade, pois essa realmente não é a intenção de minhas palavras, muito menos a dos meus atos.
Um dos poetas que mais gosto e que mais li na adolescência foi o Mario Quintana. Poeta das coisas simples, dos bons sentimentos. Pra minha sorte, ele sempre esteve lá na biblioteca da minha escola no Ensino Médio. Em um dos poemas que lembro ter lido naquela época de melancolia e confusão, ele dizia assim: “Se tu me amas, ama-me baixinho. Não o grites de cima dos telhados, deixa em paz os passarinhos. Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda.”
Lembro que eu gostava do poema, porque ele não dava espaço para a dor, para euforia, para a obrigação de amar urgente e pra sempre. Muito pelo contrário, o poema pede uma leveza, um silêncio, para se entender aquilo se sente e aproveitar a sua duração. Que pode ser tão impermanente como é impermanente a própria vida, afirmaria o Budismo.
Quem nunca, por falta de cuidado, teve que ver ir embora alguém que queria fazer ficar? Não, não precisa atirar a primeira pedra, pois eu acredito em você. Já eu, vivi sim a experiência de perder por falta de cuidado. Hoje, acredito e levanto a bandeira da filosofia do cuidar. E pra quem quer entender um pouco mais sobre isso, indico o livro Saber cuidar, do Leonardo Boff. Pra mim a fala do filósofo faz muito mais sentido do que a obrigação de ser responsável pelo que cativo no outro. Se já é difícil lhe dar com as consequências de nossos sentimentos, imagina ter que se responsabilizar eternamente pelo que cativamos?
A ética do cuidado que sempre imaginei não é ética baseada na obrigação de ser, mas sim no prazer que é naturalmente ser. Cuidar do outro como um exercício natural, sem que isso seja uma obrigação eterna a se cumprir. Se não seriamos o Sísifo do Alberto Camus, condenados a carregar eternamente em nossos ombros aquela pedra gigante.
“Quando a gente gosta, claro que a gente cuida.” Música brega do Peninha que o Caetano gravou e transformou em poesia fina pra elite. Não ser eternamente responsável por aquilo que cativo, não me exclui do compromisso de tentar ser cuidadoso, honesto e sincero com quem estou ligado fisicamente e por consequencia espiritualmente. Falo em tentativas, porque não podemos cair no equívoco de pensar que iremos acertar sempre. Talvez mais importante que acertos, seja a nossa vontade de não mais errar.  
Acredito que já vivi o suficiente pra entender que as pessoas tem o direito de irem embora quando acharem que é o momento certo. Nós não temos a obrigação de acertar sempre, de amar pra sempre... Talvez o amor dure pouco mesmo, como afirmou o Mario Quintana. Talvez muitas pessoas sejam sempre ama-dores como eu acredito que era anos atrás. Talvez o Exupéry tenha mesmo exagerado, na tentativa de fazer a gente entender, que as pessoas não podem ser a nossos olhos simples objetos descartáveis. Pessoas não são brinquedos que a gente retira da caixa, brinca, usa e depois joga lá dentro outra vez.

É preciso saber cuidar! Eu, que sinceramente ainda não sei, estou há algum tempo tentando aprender.
                                                                                                                                                Mazes