29 abril 2010

Querida esperança


Não sei o que deu em você pra sumir pra tão distante assim dos meus olhos. Se fiz ou se falei algo que não devia, peço urgentemente que ignore minha idiotice e venha aqui hoje a tarde me fazer uma vista. Não, não me evite mais. Se aproxime. No entanto, se acaso não sou o culpado do seu afastamento ou de sua viagem demorada, mande-me ao menos um sinal avisando que no final de tudo isso, você irá me sorrir. Preciso ter o mínino de garantias de que você não me abandonou a própria sorte. Preciso de você pra costurar outra vez meu acaso e meu destino.
Os livros que tenho aqui na estante estão demasiado sujos e minha precariedade de coragem me impede de limpar toda a poeira e saborear as palavras. Estou agoniado, esperança, além de estar cansado de assistir de camarote ao meu afundamento pessoal. Ando as voltas com assuntos que falem sobre essência e fico aqui a me questionar se não foi ela, a porra da essência, que fez tudo diluir. Sei não, mas parece que o fato é que estou sob a ameaça de passar por essa vida num eterno monólogo mal dirigido e mal iluminado. E o que me resta na cabeça são esses blues antigos misturados ao sax do John coltrane e essas roupas, doces roupas coloridas cheirando a nostalgia.
Minha visão, querida esperança, anda limitada e cansada de procurar por você. Será que precisava se afastar tanto assim? Esses dias a variação de temperatura tem mim feito recusar propostas irrecusáveis de amigos para ficar em casa à sua espera. Ponho minha melhor roupa e ensaio meu discurso pra melhor lhe servir enquanto a chuva desenha paisagens em minha janela. Treino meu sorriso no espelho pra te receber de braços abertos ao atravessar o muro da minha enorme solidão. Passo os dias a enfeitar paredes com desenhos abstratos esboçados em papel ofício junto à fita crepe, vinil antigo, camisetas de cores claras, lápis de cor, giz de cera, violão, fotografias, lenços umedecidos, porta Cds, relógios, travesseiro, perfume e pano de chão.
Meus dedos estão esfolados de tanto bater em portas esperando ver outra vez surgir toda aquela leveza que tua presença traz. Toda aquela inundação de ilusão e hiperatividade que tua visita obriga. Venha, que o amor deixou em mim o medo de amar. Venha porque já é tarde demais. Venha porque é necessário.  Venha acabar com minha crise existencial, venha me perpetuar... Tira-me esse gosto amargo de prazer masoquista. Venha, esperança! Venha me fazer acreditar!

Mazes

25 abril 2010

Se eu soubesse tocar gaita...


E por falar em música, se eu soubesse tocar gaita eu tava feito na vida, porque eu não precisaria mais passar dias decorando poemas do Mario Quintana pra impressionar alguém e largaria hoje mesmo a faculdade, pois teria um motivo concreto pra sair de casa e ir morar na praia. E conseguiria finalmente um lugar de destaque na minha família, pois eu seria o cara da família Oliveira Ferreira que toca Gaita e que largou a faculdade de psicologia para virar um sem teto.
 Então tá feito, quando aprender a tocar gaita eu te encontro, ok?  Mas enquanto tu não me procurar e eu não te encontrar vou levando a vida assim, tropeçando nos meus próprios pés tentando alcançar a luz. Andando sozinho na corda bamba rumo ao que acredito. E sei que o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu, assim com eu sei que seria tão bela a vida dos homens quando finalmente essa luz alguém conseguisse trazer aqui pra o nosso país.
 Repito pra mim lá pelas tantas da madrugada que eu não tenho medo das palavras, assim como eu não tenho medo de ter esperança. Preciso poder estar de pé mesmo no balanço dessa maré que hoje me parece tão agitada.  Preciso poder não enlouquecer apesar de todo desamor e de todas as notícias ruins que meus ouvidos ainda insistem em colecionar. Preciso poder também ser mais complacentes com meus amigos e comigo mesmo, afinal de contas a vida não é uma equação matemática. Graças aos céus a vida não é tudo ou nada.
Penso ficar bicho acuado no meu cantinho, penso também em soltar pipa, penso também fazer escândalos às 6 da tarde. Penso também que é preciso recomeçar e depois voltar ao início outra vez. Penso em não fechar de todo as portas, penso na necessidade de descuidadamente deixar um fresta pra que num dia qualquer alguém chegue e consiga tocar naquilo que nem eu mesmo consigo sentir.
 Em breve sei que minha anestesia perderá sua eficiência e eu darei pulos de alegria quando finalmente meu coração se deixar ser amado. Meu sorriso bonito vai virar moda em toda região e até mesmo quem repousar lá embaixo dos galhos do pé de laranjeiras, ouvirá meu canto feliz ‘E pelo visto, vou te inserir na minha paisagem e você vai me ensinar suas verdades’ Mas claro, tudo isso só quando eu souber de fato tocar gaita. Eu quando eu tiver na minha fase folk eu farei uma calça com a rede que mainha tem guarda lá no armário de roupas e deixarei definidos meus cachos desregulares. Faço questão também de não me sentir disposto a andar sem estar acompanhado de qualquer música do Bob Dylan.
Além de enfeitar o mundo todo com rodas gigantes, não sossegarei enquanto não proclamar o dia internacional da ciranda, que será dançada durante todo o dia enlaçando os laços invisíveis de nossa humanidade decadente. E dariam as mãos os que se ama e os que se odeiam num gesto simbólico que faria John Lennon voltar a terra só pra ele saber que não foi tão em vão escrever a música Imagine. E todo lixo estaria organizadamente na lixeira e todas as crianças brincando de laia num gramado qualquer. E os que já passaram dos 80 seriam os organizadores dos festivais de musicas, enquanto a juventude em massa sairia a palestrar sobre paz, amor e respeito.
 Os meninos andariam de mãos dadas enquanto as meninas se beijariam em praça pública.  Os maridos levariam flores diariamente para suas esposas e as mesma deixaram a casa impecavelmente arrumada e após um dia inteiro de trabalho comercial, estariam sorridentes e sensuais para uma noite de samba na casa de show mais badalada da cidade. Os telejornais só dariam notícias boas e a crise mundial teria fim. Seria então que se falar em sustentabilidade seria um assunto desnecessário, já que a humanidade teria aprendido a respeitar a natureza e o próximo. E somado ao lápis e borracha, as crianças teriam também a gaita como material escolar, isso tudo se eu soubesse tocar gaita...

 Mazes

14 abril 2010

Meu tão sonoro nome


Acordei com vontade de viver e de te deixar cair da estante, se espatifar no chão feito material frágil de vidro que quando que parte se transformam em milhares pequenos fragmentos. E pensei também em exibir mais vezes toda minha beleza e inteligência. Pensei que é hora de jogar coisas sem importância fora, dar fim a toda aquela merda cultural que herdei de pessoas como você e finalmente começar a escrever meu livro. Acordei tendo a certeza de que você não merece o homem que me tornei. Você realmente não merece toda minha qualidade intelectual e toda minha capacidade de rir de coisas comuns. Então fica no teu mundo de animação e deixa eu sentir o que o mundo lá fora tem pra oferecer. Desgruda e começa a desviar o olhar. Muda de esquina da próxima vez que me ver e para de perguntar pelos cantos por mim, porque é exageradamente deprimente. Se manda pra um país distante ou assume de vez tua incapacidade diante da vida, mas por favor, pense duas ou três, talvez até quatro vezes antes de pronunciar meu tão sonoro nome. Agora não chove mais do lado de cá e o que mais quero é que tua rua seja inundada. Se sair noticia no jornal eu aumento o volume enquanto danço ao som de Put A Record On -Unkle Bob.  Frieza? Não! Serenidade, baby! Tô pensando em ser meu, sabe? No final de semana notícias boas viram e eu não vou precisar ficar me procurando pelas avenidas e no meio dos tiroteios. Tô acariciando a mim. Tô carregando a mim. Tô pensado em mim. Tô amando a mim. Vá pra lá que hoje meu veneno pode te matar.
Mazes

12 abril 2010

E eu que nunca aprendi a soltar pipa


E eu que nunca aprendi a soltar pipa, que pretendia casar com o amor da minha vida numa tarde ensolarada a beira mar. Eu que desenhava na calçada com giz branco roubado do quadro da escola, que desejava adotar uma criança, fazer sexo apenas com 20 anos, passar uns anos em Portugal e estudar em Coimbra. Eu que imaginava acordado como seria ter uma biblioteca na minha sala de estar, economizar energia, virar vegetariano, comer mais frutas no café da manhã, preservar o verde, ler mais livros de filosofia... Eu que cresci dentro do teatro e sonhava montar minha própria trupe e sair viajando o Brasil a fora. Eu que fiz o meu primeiro vestibular pra jornalismo, eu que escrevia poesia... Eu que sonhava morar de vez no campo, tirar frutas do pé... Eu que queria sempre dizer o penso, que lutei pra encontrar uma forma de não mais magoar as pessoas a quem amo, não mais ser tímido, não mais andar de braços cruzado, não mais ser tão sensível, não mais ser o bobo da turma. Eu que me esforcei pra perder o medo de dizer bobagens em públicos ou contar piadas que não tenham a menor graça. Eu que usava boina preta, sandália hippie, que era presidente de um jornal na escola, que organizava um sarau poético e que pensei um dia ser um engenheiro agrônomo. Eu que queria ser menos sentimental, que seria ser mais profissional, que ia aprender a fazer minha própria moda. Eu que sempre quis aprender Libras e um dia quem sabe Braille. Eu que ia me dedicar aos estudos, eu que ia parar de escrever todas essas coisas bregas, cafonas e clichês que tenho escrito nos últimos anos. Eu que participaria de protestos estudantis, eu que criaria uma ONG pra trabalhar com reciclagem, eu que conversava com mendigos, eu que achava que existia a luz no fim do túnel, eu que acreditava em alma gêmea, eu que achava que o que temos por dentro era mais importante do que toda essa carcaça imperfeita. Eu que era o patinho feio... Eu que sempre sentei nas últimas bancas da sala... Eu que ficava perdido na hora do recreio. Eu que decidi que ia parar de sofrer e dar importância a quem sempre me tratou com desdém. Eu que brincava de balanço, que desaprendi a desenhar, que nunca aprenderei a cantar... Eu, justamente eu que me apaixonava como quem troca de roupa... Eu que deveria ser menos egoísta... Eu que achava que podia ser tudo, só queria ser outra pessoa.

Mazes