27 abril 2011

Você não tem beleza física, só interior


Um tempo atrás
Assim que o café acabou, quando o Brasil foi penta campeão mundial. Quando as cartas transformaram-se em e-mails ou torpedos... Assim que a chuva parou de molhar, que o trânsito finalmente se acalmou. Assim que o horário de verão foi banido do Nordeste. No momento exato em que a poluição tomou conta de tudo, que o povo do sertão já não implorava mais por água e sim por vida. Do mesmo modo, todas as pessoas que eu amei me amaram depois. Sempre tarde demais. 
Sempre depois da dor, do cansaço da lida, da afobação dos sentimentos. Sempre depois dos gritos, das brigas, dos cigarros, das madrugadas nas ruas, da boemia nos bares.  Sempre depois da humilhação, do diagnóstico bipolar... Amaram-me em línguas estrangeiras ou talvez em braile, mas era de uma forma que nem sob o auxílios de todos os dicionários do mundo eu conseguiria entender.
          -Você não tem beleza física, só interior.
 Ouvi isso uma vez... Esse foi um argumento usado quando fui deixado em pleno final do ano. 31 de dezembro chegando e eu vagando pelas ruas, condenado a virar o ano contando aos bancos da praça mal iluminada com luzes pouco coloridas, a dor que fez morada em peito. Amaram-me quando não havia mais tempo, quando as outras opções haviam se esgotado, quando realmente não era mais necessário, quando finalmente olharam e me enxergavam como sou, mas aí já era depois. E depois já é tarde demais.
Mazes



26 abril 2011

Que a vida não me deixe morrer de sede :


 A respeito da sede do mundo
E por mais que as avenidas se apresentem turvas, mal calçadas e melancólicas, que eu possa continuar a trilhar meu caminho rumo ao sol.  E mesmo que os clichês me apareçam demasiados e que minha criatividade aos poucos se transforme em poeira, que eu possa ao menos dar risadas das minhas besteiras e nunca perder o meu verdadeiro brilho. E por mais que o amor do mundo não pareça ser suficiente para enobrecer o coração dos homens, que possamos ao menos acreditar que no futuro, as crianças que hoje ainda insistem em brincar de roda mesmo na era digital, possam usar palavras de gentileza mesmo sabendo viver num mundo tão hostil. Que a fome do mundo possa a partir de amanhã ser retratada apenas nos livros de história e não mais encarada por nós nas ruas como algo natural ou inevitável. Que os sorrisos possam também chegar fora de hora, que a esperança nunca mais se atrase para enfeitar nossa festa e que por vezes nossas lágrimas possam lavar as ruas do nosso coração. Que os políticos matriculem-se em escolas de empatia e que a ganância do mundo não mais tenha livre acesso nos nossos cenários futuros. E por mais que a modernidade atualize os aparelhos difusores de áudio, que a música nunca deixe de ser o que ela é e que ela possa continuar a ser nossa mais bela forma de celebrar a vida. Que os preços baixem, que os impostos não passem de 1 centavo e que finalmente, o livro possa ter o preço do pão nosso de cada dia, porque ele também é alimento, alimento espiritual. Que a humanidade  livre-se de seus preconceitos e estereótipo infundados e que a cada esquina uma semente de flor esteja sendo plantada. Que a espiritualidade individual seja respeitada e que religião nenhuma tire do homem o direito de ser responsável por sua própria vida. Que chova com mais freqüência no sertão e por mais que viver às vezes me doa como golpes de faca afiada, que a vida não me deixe morrer de sede, com a garganta seca e o peito vazio.
Mazes

12 abril 2011

Abril despedaçado



Porque nessas horas não é tão simples não ser humano e não chorar, quando  assistimos crianças sangrarem e fazerem o ritual de passagem de uma forma tão brusca e violenta. Como também não dá pra pensar no atirador como um sujeito bom e digno da piedade humana. Amanhã eu releio a Declaração dos Direitos Humanos e o Código de Ética do Psicólogo, mas hoje me deixem atrair a dor, a revolta e a incerteza de viver nesse mundo que às vezes me dá pena. Deixem-me participar dessa corrente de desesperança e perplexidade, onde até os corações de pedra choram lágrimas silenciosas, porque hoje a ciência não me explica nada e eu continuo não achando justo.
 E digam o que disserem os jornais ou a Psicologia, hoje nada vai me alegrar a não ser receber a noticia de que foi tudo um engano ou uma piada de mal gosto.
Porque em momentos como esse, me lembro dos ensinamentos da minha mãe, das palavras pouco rebuscadas, porém, sábias de minha avó. Lembro dos meus amigos de infância e dos meus professores que pacientemente me conduziram para a vida, me estimulando a ser gentil com o meu coleguinha, a ser cuidadoso com meu material... Porque eu lembro do meu pai dançando comigo na sala em casa me ensinado como se dança samba... Lembro das viagens em família, dos meus primos de mãos dadas... Todos juntos brincando o lado bom da vida, porque na nossa cabeça tudo era bondade e beleza. Lembro dos meus sonhos de menino e do meu medo do mar.
Porque numa semana como essa, onde as noticias não parecem ser boas, eu só penso em ficar quietinho na minha cama e não arriscar minha vida saindo de casa, porque morrer até deve ser bom... Um encontro com a transcendência, a volta a nossa unidade original... Mas e pra quem fica, o que dizer?
A ordem natural das coisas é tão interessante, que para as crianças que ficam sem os pais é dado um nome, são chamadas de órfão. E curiosamente, os pais de perdem seus filhos são chamados de que mesmo? Minha mãe justificou hoje que a dor de um pai ou de uma mãe que perde um filho, não tem tamanho, não tem cor, não tem movimento... É linha reta, e é por isso que é sem nome. Pois é, a criança perde os pais e fica órfã, já os pais que perdem um filho ficam no vazio de não saber. De não saber nem o que se sente.  
Porque mesmo que eu ainda não seja pai, já me questiono se realmente é uma atitude racional colocar uma criança no nosso mundo bang bang. Fico aqui olhando pra meu irmão e os meus olhos umedecem... Eu que tantas vezes alisei a barriga da minha mãe quando ele ainda estava lá dentro, esperando pra chegar e alegrar nossa casa. Eu que presenciei minha mãe preocupada quando ele chorava sem que a gente entendesse o motivo do choro. Eu que vi ele dando os primeiros passos, que segurei suas mãos para que ele não caísse, ajudei ele a aprender a ler. Quando terminava minha aula, eu descia pra outro setor da escolar para pegar ele e levar pra casa... Quando eu ainda tinha uma boa saúde, eu jogava bola com ele na frente da nossa casa e ele era tão bom naquilo que sempre ganhava de mim...
Então eu olho pra ele e chega a dar um aperto, imaginar que ele agora está na sala assistindo televisão, mas poderia estudar na tal escola em Realego e não se fazer presente em casa hoje. Então eu fico pensando como deve ser pra um pai ou uma mãe que acompanha a gestação de uma criança, que cuida, que protege, que trabalha oito horas por dia e que muitas vezes chega em casa tão cansado que não consegue nem sentar no sofá pra conversar com o filho, ou que muitas vezes nem consegue trazer nada pra janta do dia seguinte... Fico tentando me aproximar de como deve ser pra esses pais receber a noticias que seu filho ou filha foi baleado na cabeça ou no tórax por um jovem de 23 anos...
 E é fato também que nossa sociedade colabora para que esse tipo de crimes aconteçam. Pecamos sim, por falta de cuidado com os que tem algum sofrimento psíquico, por falta de atenção aos jovens, por falta de informação, por falta de Psicólogos nas escolas, por falta de tolerância com o diferente. Pecamos porque os sinais eram evidentes e ninguém fez nada. Fechamos nossos olhos e entregamos a Deus a responsabilidade que compete a nós. 
 Porque o que aconteceu no Rio é muito mais do que uma tragédia urbana, é o retrato de nós mesmos. É um visão panorâmica da nossa capacidade de sermos ruins, desatentos, indiferentes. Porque esse rapaz passou um período de sofrimento nessa escola em que estudou e talvez por isso tenha voltado a mesma. Não justifica, nada justifica 'não ouvir a voz sauve que é uma lágrima', mas dizemos sim a maldade toda vez que não agimos com acuidade para com o outro.
Mas hoje, nada disso importa, porque o que sabemos é que só quem perdeu um filho é que deve saber o vazio que dá. A impotência que deve ser ver um filho sendo enterrado quando o seu corpo ainda está em desenvolvimento... O dia chega a ficar cinza quando começo a pensar nisso. E olhe que até peguei o meu violão que eu não tocava há meses e de nada adiantou...
E o rádio insiste em tocar a canção que eu não queria ouvir, mas que veio me lembrar do mais importante: ‘É preciso amar as pessoas...’ Sabiamente o Renato nos deixou essa mensagem atemporal, porque no meio desses males todos, sendo patológicos ou não, sendo crueldade ou não, sendo safadeza ou não, é preciso amar. Amar as vítimas, amar os que foram embora, amar os culpados, amar os inocentes, amar o próximo, amar o distante... Que sejamos nós a falar de amor e de compaixão. E nessa corrente de amor, quem sabe a gente não consegue ‘esquecer’ esse início de abril despedaçado.
Mazes