29 outubro 2011

Não sei negociar com o afeto

          O problema é que além de nunca ter me dado bem com a ciência matemática, também nunca consegui ser o tipo de pessoa que sabe jogar com a vida, muito menos com a vida do outro. Falando assim até parece que quem aqui vos fala é a bondade em pessoa, mas só quem já se machucou de verdade sabe como é ruim. Só quem já foi vítima da leviandade de alguém, sabe como é desrespeitoso não ser honesto com o outro. E quem aprendeu bem a lição não devia mais repetir tal ato. É claro que não somos tão donos de nossa razão quanto gostaríamos, isso eu concordo. No entanto, mesmo sabendo que escolhemos muito pouco na vida, não estamos isentos de arcar com as conseqüências de nossos atos imprudentes.

          Talvez por isso eu sempre tenha falhado nessa coisa de estar começando a conhecer alguém, porque eu sempre fui de dizer na lata o que eu estava sentindo e pensando daquilo tudo que estava sendo. Eu sempre fui de fazer malabarismo para ajudar o outro a perceber o quanto eu me sentia bem em estar ao seu lado. Ou do quanto eu não estava tão empolgado quanto estava antes. Digo que essa talvez seja minha falha, porque muitas pessoas fugiram ao acessar minhas verdades, muitas pessoas se assustaram com o meu tamanho... Hoje eu entendo que elas talvez não saibam como dói às vezes ter que ser sincero, ser limpo, ser cru... Tanto quanto dói amar-durecer.

          Eu nunca me dei bem em disfarçar, enfeitar, fingir não entender... Não aprendi a querer alguém e dizer que não quero. A estar muito afim e fingir que só estou um pouco. Talvez um dia eu aprenda, mas por enquanto não sei negociar com o afeto. Não sei economizar palavras gentis quando estou começando a gostar de alguém. Porque essa foi a maneira que eu encontrei de me ajudar a diferenciar o que é paixão do que é entusiasmo. E para não me confundir e confundir o outro, prefiro sempre ser verdadeiro, mesmo quando preciso fazer alguém sofrer antes para que não sofra mais depois.

          O Exupéry, no livro o pequeno príncipe, chama isso de responsabilidade pelo sentimento do outro. Porque mesmo que eu não tenha bola de cristal e saiba como prever o futuro, eu preciso ter o mínimo de certeza do que quero quando começo a dividir minha subjetividade com outro alguém. Pessoas são feitas de carne, osso e coração. Não são objetos feitos de plástico, madeira ou vidro.

          Lembro também de A carícia essencial – Uma psicologia do afeto, que é um livro de um psiquiatra brasileiro chamado Roberto Shinyashiki. No livro, o Roberto ressalta a importância do afeto e do papel fundamental do carinho no desenvolvimento do ser humano. O livro convida quem lê a resgatar o afeto e as formas de reconhecimento do outro. E é incrível perceber o quanto ainda somos descuidados para nos dedicar a coisas pequenas de grande importância e o quanto temos dificuldade em distribuir afeto em nossas relações, como se ao dar afeto o Eu ficasse empobrecido. O que sabemos e esquecemos, é que se tratando de ser humano, o contrário costuma acontecer, porque afeto somado é afeto potencializado. Já imaginou uma relação onde as pessoas diariamente dialogam com sua afetividade? Uma relação onde não existe economia de afeto em nenhuma das partes?

          Ah, que bom seria... Eu também acho, mas por que será que é tão difícil? Não, eu não tenho a resposta... Porque eu ainda estou buscando encontrar o meu caminho para tornar esse diálogo mais fácil nas relações que estabeleço. E acredito que cada um terá que percorrer léguas até encontrar esse caminho pessoal e fazer suas descobertas, mas enquanto isso é preciso ter cuidado com o que ofertamos e o que pedimos ao outro.

          Ás vezes é necessário demonstrar o que se sente, arriscar, se mover, sair de si, pois é pedir demais querer que o outro adivinhe o que nós sentimos. Além do mais, muitas vezes as palavras confundem mais que auxiliam esse processo. É preciso não ter medo de sentir. Deveríamos ter medo de sentir e deixar morrer por falta de oferta. Fruta guardada por muito tempo na geladeira, também apodrece. E aos descuidados de plantão, comecem a considerar que existe no mundo algumas pessoas com um raciocínio lento como o meu, que precisamos quase sempre de exemplificações para entender melhor as coisas.

          Um convite para ir ver um filme no cinema é bom, ainda é clássico entre os casais. Mas a importância do filme se recolhe, quando durante uma cena qualquer do filme você fixa o olhar nos olhos do outro e dar aquele sorriso de canto de boca, de quem além de estar olhando para a outra pessoa, a reconhece como especial. Tenho aprendido que o amor precisa da troca para se desenvolver melhor, porque amor, acreditem, é construção.

          E enquanto você não sabe da minha euforia, vou ficar aqui pensando num jeito de me jogar em cima de você com meus 20 e poucos anos de idade.
Mazes

22 outubro 2011

E ser aquilo, era o que eu sempre quis

Eu sempre quis ser as coisas para entender como as coisas se sentem diante de algumas coisas. É como se não fosse suficiente perceber o mundo pelas lentes dos meus olhos, porque existem experiências que só se tornam reais, quando além de mirar, a gente consegue estar dentro daquilo. E ser aquilo era o que eu sempre quis. Não bastava enxergar, eu queria mesmo sentir na pele o que as coisas, não sendo eu, sentiam.
Quando fui crescendo, e ainda estou crescendo, ficava questionando a lógica do universo. Ficava pensando o porquê que certas coisas tinham certos nomes e outras coisas tinham outros nomes. Por que o macarrão se chama macarrão e não se chama chave, carro, bolsa? E por que a chave não se chama macarrão ou carro se chama chave? As coisas existem mesmo ou as pessoas as inventam? Essas eram o tipo de pergunta que eu fazia aos adultos, e hoje adulto, ainda faço, só que a mim mesmo. E não encontro respostas, claro. A não ser uma imensa vontade de continuar meus questionamentos pseudo-psicóticos.
Mas as coisas eu sempre quis ser. Talvez por curiosidade, talvez por empatia, talvez para me sentir como o personagem do livro do Ítalo Calvino: Palomar. Livro que eu só conheci quando adulto, o que é uma pena, porque toda criança devia ao nascer ganhar esse livro de presente, mesmo que ainda não soubesse ler. Pelo menos para dormir com ele toda a noite em sua cama. Em linhas gerais, posso dizer que o Sr. Palomar tinha o nome de um famoso observatório astronômico, que durante muito tempo ostentou o maior telescópio do mundo. Porém, apesar de ter o mesmo nome do observatório, os olhos do Sr. Palomar funcionavam quase sempre como se fosse um telescópio ao contrário, voltado não para amplidão do espaço, mas para as coisas próximas do cotidiano. É como se ele nos dissesse que as grandes questões do mundo e da existência também estão presentes em cada objeto que observamos, até as coisas mais singelas.
Mas voltemos agora a falar sobre as coisas... Por exemplo, eu sempre quis ser uma porta. É isso mesmo, uma porta. De preferência uma porta de madeira, pois tenho dificuldade de aderir novas tecnologias. Eu sempre quis entender como as portas aceitam serem tocadas por tantas vezes e muitas vezes com tanta força. Fechadas, abertas, arreganhadas. E ainda por cima estarem sempre metade dentro de casa e metade fora de casa. A porta é talvez o que se chamam hoje em dia de bi? Ela é interior e também exterior. É dentro e é fora. É um lado e é outro. E não sei se é sorte ou azar das portas que tem um olho no meio de seu corpo. Bom, dizem até que esse tal olho é mágico.  Não sei... Acho que furar uma porta é quase que deixar uma ferida narcísica na sua essência. Porque se a porta nasceu mesmo pra ser porta, qual o sentido de no meio dela ter uma brecha pra se olhar?  
Também sempre quis ser balde. Um simples balde, de preferência aqueles baldes pretos que parecem suportar mais peso. Penso se os baldes, que foram feitos para serem baldes, sentem-se solitário por não estarem acumulando ou sendo depósito de água. Será que os baldes gostam de ser carregados pra cima e pra baixo, levando sacolejo. E o que será que os baldes sentem quando neles é colocado roupas sujas, ou até mesmo areia? Eu não acho que os baldes foram feitos para carregarem areia, não é sua essência... Acho mesmo que os que fazem isso com os baldes, deviam perceber que eles não foram feitos pra isso.  É como querer que um chinês ao nascer já saiba sambar ou deixa ou corpo leve ao som de um maracatu.
Eu sempre quis ser um livro... Ah, não posso morrer sem ter sido um livro. Sei que serei lido, amassado, rasgado, riscado, recomendado, citado, encadernado, xerocado, trocado, vendido, amado... Um bom livro de romance ou talvez de poesia, quem sabe um livro com a história completa da astrologia ou dos tempos da caverna? Eu sempre quis saber se os livros preferem quando estão usados e passam de mão em mão ou se preferem passar anos em uma prateleira, esperando seu dono. Não, acho essa espera injusta. Por isso queria ser um livro,  pra saber o que eles sentem, porque eu, não sendo eles, gosto de livros rodados, confesso.  Livros que já passaram por tantas mãos que já perdeu as contas, mas que quando chegam a mim, tornam-se pra sempre meu, pois já chegam amadurecidos pelo tempo.
Ah, eu também queria ser um peixe. E é claro que se eu fosse um peixe eu seria um peixe azul. Alguém aqui duvida? Porque tem dias em que meu corpo sente saudades de uma encarnação em que fui peixe, um peixe que vivia na água e no ócio. Mas como não me lembro da minha outra encarnação, preciso vivenciar a experiência outra vez, mas tinha que ser peixe de água salgada. Isso eu faria questão. Já imaginou, habitar o mais profundo do oceano sem se afogar ou precisar de equipamentos para respirar? Peixes são lindos, e deviam saber disso. Ao contrário dos vegetarianos, eu não gosto de quem vive comendo peixe e se acha saudável. Acho uma maldade. Mas eu também sou mal, porque apesar de amar os peixes eu também os como, e o que é pior, eu como feliz. Na verdade, quando criança eu nunca gostei de peixe. Tinha uma certa resistência por aquele tipo de carne estranha. Depois de grande, minha mãe dizia que peixe era o tipo de carne mais saudável e talvez por isso mais caro. Os homens, ela dizia, capitalizaram todos os melhores prazeres, meu filho.
Além disso, eu sempre quis ser música, cama, árvore, cadeira, telhado, pipa, girassol, papel, mar, televisão, porta CDs, grampeador, caixa, pássaro, sol, biblioteca, caneta, terra molhada, prato, jardim, pia, roupa, quintal, lustre, chuveiro, dança, toalha, banco de praça, parede, festa, carro de som, mosquiteiro, ventilador, lâmpada, rede, pé de ipê, sítio, festa, foguete, isqueiro, remédio, radiola, gelo, sofá,  câmera Polaroid, botão, motel, tecido, tomada, travesseiro, incenso, torneira, fruta, cola, disco, chão, quadro, sandália de couro, coreto, avenida, relógio, água, nuvem, praia deserta, tempo...
Eu sempre quis ser muitas coisas pra saber o que era ser essas coisas. Eu queria talvez ser eu mesmo pra saber o que eu sentia.  Eu queria só sentir o que se sente. Eu queria ser eu.
Mazes

14 outubro 2011

Não foi com a dor do outro que eu construí minha arquitetura



Talvez a única vantagem de não pagar com a mesma moeda, é que você está sempre com a consciência tranqüila. Lembro de ter lido em um livro na adolescência que no final de um poema o Fernando Pessoa dizia assim:" Aos que me jogaram pedras, o meu “muito obrigado”. Foi com elas que construí meu castelo."

Passei anos mal dizendo o poeta por produzir essa célebre frase de efeito. E como são clichês as frases de efeito... Mas acho que a vida já deu voltas o suficientes pra eu entender verdadeiramente o que o poeta quis dizer com essa máxima. O personagem do poema poderia atirar de volta com muito mais força as pedras que recebeu. Fazer o outro sentir a dor que ele sentiu e sangrar e gritar... Mas não, com as pedras, a Pessoa do Fernando construiu um castelo. Não é lindo isso?

Lembro de mim, que também sou artesão de minha vida... Quantas vezes, diante da fragmentação de mim mesmo, juntei os meus cacos e me refiz a duras penas, com a própria dor que eu possuía... Ainda frágil, sangrando, mas erguido. Não foi com a dor do outro que eu construí minha arquitetura.

Não, não é das alegrias que se desperta a força. A força vem mesmo é do suar, do tapa na cara, do não que eu recebi quando precisava tanto ouvir um sim. A força vem sofrida, tão sofrida que lateja apressadamente.

Esse ano um amigo me deu de presente um livro do Rubens Alves, o Psicanalista mais humanista que eu conheço. Nesse livro, o velhinho sábio (leia-se Rubens Alves) diz que a ostra feliz não faz pérola. “São os que sofrem que produzem a beleza para parar de sofrer...” E hoje, depois de tonto com as voltas que o mundo costuma dar, entendo que um homem vira homem de verdade quando aprende a chorar sem cobrir o rosto.
                                                                                                                  Mazes