26 maio 2012

O amor em apenas um ato


Comecei arrumando a estante de livros e quando vi já tinha percorrido cozinha, banheiro, sala e quarto. Sai limpando tudo com força, raiva e desespero. Até as paredes esfreguei na tentativa de deixar tudo em estado novo, como quando nós estávamos procurando um lugar pra morar. 

Enquanto arrumava a casa, pensava que estava assim arrumando nossa bagunça, tua sujeira... Quando me dei conta lá estava eu esfregando o piso da escadaria do prédio, misturando minhas lágrimas transparentes com a água sanitária suja. Vi que era hora de parar quando vi minhas mãos calejadas sagrando. O porteiro solidário me socorreu e enquanto me ajudava a estancar o sangue me perguntava insistentemente: "Está tudo bem, senhor?" 

Queria chegar ao meu limite, vencer o cansaço da minha espera, a falta de entendimento, do espaço oco que você deixou nesse apartamento, mas o máximo que consegui foram as mãos enfaixadas, uma casa limpa e a cama ainda vazia sem você. 

E assim tem sido os dias: eu procurando você em cada ponto da minha existência, sem achar. Procurando pelos cantos qualquer coisa que me dê referencia sobre onde você pode ter ido. 

Quando o carteiro chegou ontem aqui em casa, tive medo da correspondência que ele podia estar trazendo em mãos. Medo de que talvez fosse você me dando notícias, dizendo que não ia mais voltar, mas era o livro do Bauman que você encomendou antes de ir embora sem me deixar saber onde você ia. Não sei se senti alívio por não concretizar seu adeus ou aflição de pensar que suas correspondências iriam continuar a chegar e você não mais estaria aqui pra receber.

A peça do Ulisses estreou essa semana, acho que você esqueceu do quanto ele nos queria lá prestigiando mais esse trabalho. Ao me ver chegando sozinho no teatro, me olhou como alguém que sabia de tudo que eu estava vivendo nas últimas semanas, embora eu não tenha lhe falado nada. Não perguntou por você, entendeu que eu não sairia sozinho de casa se você estive aqui na cidade. 

Mazes.

09 maio 2012

A vida é por um triz...

Se gente grande bem soubesse, aproveitaria o dia como muito mais entusiasmo pela arte que é viver e não perderia muito tempo se protegendo dos riscos. Porque é a arte de viver e não a vida, que permite ao homem saborear os dias fazendo sentido pra si e para os outros. Nos permitiríamos ser plenos e entregues agora, diante da dor ou das alegrias que de forma alternada vem nos visitar. Se o que ama bem soubesse, pediria em namoro, noivado ou em casamento a pessoa amada e não se apegava a ideia ilusória de que temos todo tempo do mundo para experimentar o outro. Se nós entendêssemos sobre a brevidade da vida e a importância do hoje, não levaríamos anos adiando sonhos e iniciativas tão urgentes. E deixamos o abraço pra depois, o pedido de desculpas pra quando a mágoa passar, o carinho que devia ter sido dado hoje pra outro dia... Mas a gente não sabe ou apenas esquece do quanto a vida é frágil e que uma dor no peito pode ser o convite para habitar um outro plano espiritual. Se a gente bem soubesse, amaria hoje pra sentir saudade boa amanhã, mas a gente não sabe ou apenas esquece.

Em memória aquele que eu nunca cheguei a conhecer.                                                    Mazes. 

08 maio 2012

Fingindo segurança

Tinha receio de quem não investe afetivamente em algo ou em alguém. Daquele tipo de pessoas que não curam a ferida e levam a vida tentanto preencher o vazio nos encontros sem compromisso da vida moderna, achando assim que estão cumprindo os ideários da revolução sexual iniciada na década de 60. Tinha medo de quem só come as beiradas e não se permite dar um passo adiante porque é impedido pela razão. Medo disso que é não se apegar, não se entregar, não pagar pra ver. Acha que talvez por isso as filas tenham andado tão depressa e as pessoas estejam cada dia mais perdidas em suas bolhas de ar, fingindo segurança.

Mazes.