15 junho 2010

E eu não volto mais




Só passe dessa porta se for pra me contar verdades. Se quiser permanecer aqui por uma estação, esvazie sua cabeça de todo lixo que você acumulou no percurso até me encontrar. E se não estiver com disposição de renunciar seus defeitos, então não use desse sorriso encantador pra me convencer, pois eu já tenho o antídoto pra seus encantos. Neles eu não caio mais. Eu sou um homem, não sou um moleque qualquer. Se tua cabeça de menina sonhadora não conseguir firmar pés no chão, desista, pois eu não tenho mais disposição pra vôos tão altos, muito além do que posso ir. Quero tocar em coisas reais e delicadas e não no que me escapa do olhar. Sua pele tão macia, seu cabelo tão discreto, sua boca tão provocante, seus olhares tão ciganos e seus gestos tão passageiros não me pegam mais. Eu estou indo em direção ao Sul com meus lp's e livros, minha calça jeans e meu violão. Estou me acompanhando devagar. E eu não volto mais. 

Mazes

03 junho 2010

A dor de Maria



Ela teve seu filho afastado do seu alcance. No mês de março Maria ‘perdeu’ seu filho amado para as autoridades da pequena cidade do interior. O menino de boa criação, de boa escola, de boa base familiar e de sorriso sutil, se entregou as facilidades de uma vida regada a drogas, bebidas, mentiras, roubo, tráfico e noitadas perigosas. Retrato fiel de uma parcela dos jovens do nosso país? Talvez. Preocupante e impressivo, assim é nosso futuro. Atestado eficaz do nosso tempo.  Pais dedicados perdendo seus filhos para o ‘ilusório’ caminho das maravilhas que mundo do crime apresenta em sua dança sedutora. Meninos sonhadores e que muitas vezes buscam nos braços das drogas um abrigo ‘seguro’ e um conforto pra essas nossa vida pós-moderna maluca.

Maria, que tem mais de 40 anos, agora se sente injustiçada. Ela que passa as noites em claro, não admite fazer parte desse quadro decadente em que as coisas que mais amamos é levada de nós sem que nada possa ser feito para evitar. Sempre de forma tão devastadora e absurda nos levam nossos bens mais preciosos. Maria chora em silêncio todas as noites contendo seu soluço. E em suas orações ao filho, que se encontra nesse instante trancafiado em uma sela imunda tentando dormir em condições precárias com outros também jovens, na prisão da cidade, Maria empresta um olhar aflito a imagem da santa, aquela que também teve seu filho arrancado de forma bruta de seus braços, no entanto, diferente do homem chamado Jesus, o filho da Maria não é de todo inocente.

Quantas? Quantas possibilidades se escancararam na frente dele enquanto o mesmo desviava seu olhar para o mais ‘fácil’? Tantos conselhos de sua mãe... Tanto amor recebido de seu pai... Tanta ajuda de seus professores... E hoje o menino que costumava brincar comigo de bola de gude, assiste todos os dias o sol nascer entre as grades que separam as selas da prisão. O menino esperto que sempre me ensinou a elevar aos céus a pipa de papel seda azul, hoje desaprendeu a brincar e já não tem domínio de sua liberdade. Aquela mesma liberdade que minha pipa azul tinha nos meus anos incríveis. Agora nem mesmo o menino voador consegue alçar vôo e elevar seu amigo para paragens mais floridas.

E hoje é o meu coração que se aperta ao ouvir Maria lamentando seu desamor diante da vida... Um copo de água, é tudo que Maria aceita de tudo que minha mãe a oferece. E olho pra minha rainha a quem também às vezes atende por minha mãe, e admiro sua capacidade de ser tão humana e empática com sua amiga. E sorriu feliz, porque sei que meus esforços para não vê-la triste está valendo a pena. Ver como minha mãe se sente diante da dor de sua amiga, me faz perceber o valor de todas aquelas infindáveis conversas sobre ‘drogas’, ‘preservação’, ‘maldade do mundo’, ‘chegar em casa cedo’, ‘cuidado com quem anda’, ‘é preciso estudar pra ser alguém’, ‘ser feliz com o que se tem’, que ‘o caminho mais difícil também acaba sendo o mais digno e compensador’ e etc, etc, etc.

Agora, soluçando baixinho no meu canto, sinto falta de todos aqueles gestos de carinho e beijos vindo em momentos nada apropriados por parte da minha mãe. Aquele jeito carinhoso de pronunciar meu nome no diminuitivo, mostrando sempre o quanto eu ainda sou pequeno e imaturo. Aquele jeito todo dela de insistir em continuar a me chamar de ‘meu bebê’ na frente dos meus amigos e que tanto me envergonha.

Mas se não estou de todo enganado em minha pouca crença  e no meu pouco conhecimento religioso, Maria é um nome de santa e como tantas outras mulheres que também tem o nome da agraciada, ela possue o dom da esperança, o dom de ser bem aventurada, o dom da caridade, da empatia, o dom da força, o dom do amor e o dom da espera por dias melhores. Sossega, Maria! Deus é contigo!


Sonho com o dia em que minhas palavras tenham o poder de suavizar a dor alheia, nem que seja por um segundo ou quem sabe por toda eternidade, ou ao menos que um dia minha escrita possa me transformar, já que transformar o mundo em que habito é uma obrigação carga demais para o menino que vez enquando alça vôo num céu alaranjado.

Mazes