15 outubro 2012

Padrões que não cabem em mim


Parece que ao longo das décadas, nós, homens, assim como as mulheres, passamos a sermos agredidos pela mão da imposição do corpo ideal. Quando nosso corpo não cabe nos moldes “esperados” (leia-se sarado, alto forte olhos azuis, negão gigante com pau idem ou coisa do tipo), somos retirados do lugar de homem desejável e deslocados para o lugar do homem acomodado, preguiçoso, displicente e tantos outros nomes aos quais queriam nos nomear.

A imposição da estrutura corporal ideal para os homens, embora não seja evidentemente declarada, existe e coloca muitos homens na mesma fragilidade e dilema que acometem as mulheres que não cabem no modelo Juliana Paes. O agravante nesse caso parece ser o sentimento de culpa experimentado por nós, meros mortais convidados a nos retirar da morada dos deuses de corpos perfeitos. 

Na intenção de voltar para o palco dos deuses, estamos diariamente superlotando as acadêmicas da vida. Lutando severamente contra sua natureza e o tempo, muitos homens tentam alterar seu biótipo na marra, ou melhor, na barra, estando assim aptos a competir com o Malvino Salvador. 

Claro que cuidados com a saúde são e sempre são importante para todos nós, independente de qual lugar nos coloquem. Mas vale pensar que a forma como iremos nos relacionar com nosso corpo talvez seja mais importante do que o estado físico em que ele se encontra.

Lembro de Mateus dizendo que era filho de um pai que desde sempre foi atleta (professor de caratê, jogador de futebol quase profissional), mas que ele nunca consegui desenvolver apreço pelo exercitar, pelo menos não no sentido do exercício físico. A arte o havia ganhado desde muito cedo e seu principal exercício sempre foi o imaginar, criar, ler, escrever, contemplar... O que acabou (ou não) ocasionando uma protusão discal acentuada - |a protrusão anormal de um órgão ou outra estrutura do corpo através de um defeito ou uma abertura natural em um invólucro, cobertura, membrana, músculo ou osso| - que o impediu desde sempre de fazer alguns muitos esforços físicos.

Eu percebia que em Mateus, não era só a questão da protusão. Na verdade ele, assim como muitos outros homens, parecem mesmo não possuir vocação para ir quase que diariamente a academia pegar peso e, na maioria das vezes, comparar seu nível de testosterona com a dos outros rapazes, tão inseguros quantos eles, tentando construir cada um uma capa mais forte para sua existência. Há um grande engano no universo masculino em querer conferir poder usando meu corpo como parâmetros para afirmar “masculinidade” e “gostosura”. 

Em algum momento da nossa existência corpórea o culto ao corpo deve ter sido saudável, mas parece que agora o que antes parecia uma escolha natural virou uma violenta imposição. Agora não é como gostar mais de Caetano do que do Chico Buarque. Agora é ter que comprar o pacote inteiro e gostar muito de toda MPB.

A ideia de “qualidade de vida” está malfada por não respeitar os limites e interesses individuais e por não nos responsabilizar por nossos desejos singulares. Querem nos vender um pacote ideal de felicidade/saúde e nós nos equivocamos assim como fazemos com as medicações, achando que a mesma pílula irá trazer o mesmo efeito para pessoas diferentes.

Estudiosos do chamado mundo moderno, caracterizam o termo como uma tentativa de dizer um bom para todos, um bem viver para todas as pessoas. Fico junto com o filósofo italiano Giorgio Agamben e outros que conseguem pensar nos novos contextos de vida de maneira ampliada, propondo a substituição do termo “qualidade de vida” por “vida qualificada”. Onde, segundo o Agamben, o substantivo não é mais ‘qualidade’, e sim a ‘vida’. 

Há muitas pessoas que estão a seu modo buscando ter um corpo mais saudável e a acadêmica é uma das alternativas que auxiliam nesse processo. Mas ela é uma das alternativas e não a única. Sigamos então caminhando - literalmente - tentando inventar uma satisfação pessoal que nos proporcione uma vida qualificada do jeito que melhor nos servir. Não mais insistindo em padrões que não cabem em nosso corpo.

Mazes