28 setembro 2010

E um céu quase azul


Para ler ao som Simone e Zélia Duncan  

Eram só nossas mãos juntas o que eu queria naqueles dias de final de abril. Nada além do encontro das nossas palmas se encontrando em meio aquele vento desgovernado que vinha da janela até o colchão espalhado no meio da sala. Eu só queria o toque, a troca, a vontade e naturalidade de ver duas mãos enlaçadas. Não era amor... Desses que chegam e te convidam a passear feito carrossel em outras paragens além do imaginário. Até porque o amor ‘adulto’ tem características muito infantis, vocabulário limitado, infatizado e sinceramente, me cansa um pouco. Não era paixão... Como Freud tão bem descreveu como pura projeção, uma patologia. A escolha do objeto a ser desejado depende da admiração e eu não te admirava a esse ponto. Não era também encantamento ou qualquer coisa parecida. Era apenas eu e você - Era apenas o que estava sendo, nada mais.
Era talvez uma vontade doida de tocar você com toda doçura que eu jurava possuir naquela madrugada. Coisas que o frio me trazia enquanto eu olhava pela janela do apartamento o céu com aquele azul escuro congelante. Aquele quase preto que escurecia a cidade molhada de mel. Era só a minha ternura pedindo abrigo a outro corpo com ternura pra oferecer, mas seus olhos estavam demasiado perto e talvez por isso você não tenha conseguido me enxergar. Talvez por isso eu insistisse tanto em me afastar de você com gestos bruscos todas às vezes que se aproximava de mim a possibilidade de nossas anatomias dialogarem.
Porque por mais que eu quisesse, eu jamais diria. Eu queria que suas mãos encontrassem as minhas, sem eu precisar pedir.
Mas você não soube ser aquilo que eu esperei. Justamente as minhas mãos de ternura você não reconheceu. Eu que sou de outono. Que sempre fui do outono. Que sempre serei outono.  Eu que respirei o outono perto de você...
Da noite anterior, em que suas mãos não tocaram as minhas, mesmo ambos estando a centímetros um do outro, ficaram apenas minhas olheiras, meus pensamentos, meu cansaço de velar teu sono, meus arrependimentos, minha cueca samba canção, meu corpo perfumado e o travesseiro que eu agarrei como se ele fosse alguém. 

Mazes

16 setembro 2010

'Mazes fazendo faculdade e eu fazendo menino'


Ela queria ser atriz. Queria ser não, na verdade ela era atriz. Éramos todos atores. Houve um tempo e de certa forma não faz tanto tempo assim, em que o teatro era minha vida. Crescemos brincando nas coxias, entre os figurinos, montando cenários, organizando as cadeiras da platéia, varrendo o teatro... Ensaiávamos a tarde, a noite e até de madrugada se preciso fosse. Enquanto os de 13, 14 e 15 anos saiam com suas melhores roupas da moda para enfeitar a cidade, nós estávamos no palco ensaiando ou apresentando nossos melhores e piores personagens.  
 Nossa, como o tempo passa rápido! Esses são os desenhos que o destino vai fazendo na vida da gente. Adolescência, brincadeiras, sonhos, profissão... Nossa negritude, rsrs. Engraçado lembrar das brincadeiras e dos comentários no camarim:
- Mas vê só. Um neguinho e uma neguinha querendo ser atores. (Alguém sempre dizia e ambos riamos porque tudo era tão engraçado).
Dois querendo ser aplaudidos no tablado e nos palcos da vida e numa quarta-feira de setembro ela me encontra e me diz :
-É, Mazes fazendo faculdade e Bia fazendo menino.
Grávida de seis meses, pelo menos foi o que ela me disse. Eu de pasta da mão, todo na beca e na imparcialidade impossível de ser alcançada e ela alisando sua barriga. Eu com 21 anos no 4º período da faculdade e Bia com 18 anos grávida de uma menina. E quem poderia prever?
Ela queria ser atriz famosa e lutava pra realizar isso. Tanta leitura branca, laboratórios, aquecer o corpo, a voz... Tentando fazer com que a velhinha surda que sempre fica lá na última cadeira da última fila do teatro escutasse o que se diz no palco. Na verdade às vezes acho que a vida é que é surda e parece não escutar nossos sonhos e desejos. Ou talvez nossas escolhas é que são cegas e nos leva por caminhos tão distantes do que costumávamos sonhar.
Ela queria ser atriz e declamava Shakespeare tão bem que era impossível olhar para o lado quando ela estava atuando:
‘Ai de mim, maldito serão os dias faltando sua luz. Nesses dias o sol em tristeza não mostrará sua face, mas com as asas do amor transporei o muro. Limites de pedras não serão empecilhos. Colocarei minha sorte a seus pés e o seguirei por onde for...’
Eu também queria ser ator, mas no fundo, bem lá no fundo, eu sempre soube que atuar não era meu dom. Acho que eu viva no teatro pra ser feliz, pra brincar, pra poder pegar livros emprestados na biblioteca, pra poder ouvir música alta nos caixas amplificados do teatro, pra poder respirar aquele cheiro gostoso de arte, de juventude. Mas ela não, ela sempre teve talento pra coisa e sabia disso. Todo mundo sabia. Até troféus ela ganhou. Eu no máximo, fui indicado algumas vezes... Mas tudo bem, a psicologia já me ganhou. Nem ligo mais pra isso, já liguei um dia.
Daqui há no máximo três meses o bebê de Bia nascerá e qual serão os sonhos dessa guria? Eu olhando aquela barriga, sem sabe muito bem o que dizer, ensaiei algumas palavras de esperança:
- Ainda somos tão jovens, Bia. Olha só pra você! Olha pra essa tua cor de pela linda. Olha esse teu olhar de menina. Você ainda tem tempo de conquistar o mundo.
Acho que ela realmente não tinha muito a acrescentar, mas olhou pra mim, sorriu um riso doce e disse sem querer dizer:
- Não, eu não tenho tempo, Mazes. Eu tenho é uma criança em casa me esperando e mais essa menina na barriga pra cuidar. Você sim tem todo tempo do mundo, meu amigo!
Depois disso Bia foi embora desatenta ao transito da avenida. Me deixou praticamente falando sozinho e seguiu em linha reta... E eu fiquei estático, quase no meio da rua olhando ela caminhar enquanto o vento brincava de fazer festa em meu cabelo. Os carros passavam por mim e de alguma forma absurda, não me atingiam.
- É, eu vivia no teatro, porque eu gostava de viver.
Mazes
Depois ela cantou pra mim: Beatriz - Monica Salmaso & Pau Brasil

12 setembro 2010

Quando a luz me falta


Não posso descuidar um minuto que esse outro – que parece tanto comigo e que no fundo sou eu mesmo – insiste em querer criar asas e voar por onde a vista não alcança. Se eu viro um segundo pra algum lado, esse outro já se acha no direito de fugir e fazer arruaça sem a menor responsabilidade. Foge de mim esse que sou e esquece que está de quarentena curando as dores que o tempo disse que iria curar. O amarro em meu passo e tenho um trabalho duro para arrastá-lo por onde eu for, porque sozinho esse pobre coração de asas não sabe bem por onde ir e chega quase sempre em lugares transitórios, fazendo besteiras por onde passa. Rodopia em um céu alaranjado esse que é filho do vento. Gosta de uma confusão esse tal que me voa – passa na minha frente, desvia meu caminho e me deixa chupando o dedo enquanto ele sai em busca de aventura, só que esquece que sou eu quem chora de dor, sou eu que tenho que arrumar a bagunça depois, sou eu quem pega o preço caro de não ter domínio sobre meu próprio membro chamado coração - esse mesmo que voa sem saber pra onde. O que quer abraça o mundo sabendo que não pode nem ao menos abraçar a si mesmo. E tenho tanto medo do escuro, medo quando falta luz. Tenho medo quando a luz me falta.
Mazes
Depois ele cantou pra mim: Suíte - Romulo Fróes

09 setembro 2010

Tenho medo de ser descartável


Não nasci para ver meu nome jogado na lama e usado pra servir de exemplo banal por ser mais ser humano que passou pela vida e não teve uma importância significativa ao menos aos seus. Medo de ser isso que se joga pelo chão e se faz indiferente. Medo também do que não é reciclável, medo do que não dá pra se reaproveitar, medo de ter na vida uma única utilidade, existir.
Mazes 
Depois ele cantou pra mim: Para quem me quer assim - Romulo Fróes

08 setembro 2010

No caminho, eu te explico



Segura forte a minha mão e dispense todo tipo de preocupação que pode estar passando pela sua cabeça agora. Confia em meus passos e em meu jeito de dizer as coisas que me fazem bem. Porque eu gosto de falar baixinho ao pé do ouvindo e tenho joguinhos incríveis aqui no quarto pra gente brincar. Põe a rosa vermelha na boca e me faça sua melhor dança sedutora. Pise em mim com jeitinho e te deixo salivar em meu peito que só quer te abraçar. Virar a madrugada preso em teu abraço e naufragar em tuas profundezas mais profundas, mais doces, mais bregas, mais clichês e tudo que puder ser. Dispensamos os rótulos e complexos, Édipo um dia nos perdoa e Freud, esse eu garanto, está do nosso lado. Fuja comigo, aceite um banho de chuva e grita por meu nome em plena Av. Mariana Amália. Trate-me como seu dono, seu macho, seu rei e senhor. Pegue-me com força, me goste de verdade, aperte-me em você. Eu deixo, eu gosto, eu quero.
 Mazes