Comecei arrumando a
estante de livros e quando vi já tinha percorrido cozinha, banheiro, sala e
quarto. Sai limpando tudo com força, raiva e desespero. Até as paredes
esfreguei na tentativa de deixar tudo em estado novo, como quando nós estávamos
procurando um lugar pra morar.
Enquanto arrumava a casa, pensava que estava assim arrumando nossa bagunça, tua
sujeira... Quando me dei conta lá estava eu esfregando o piso da escadaria do
prédio, misturando minhas lágrimas transparentes com a água sanitária suja. Vi
que era hora de parar quando vi minhas mãos calejadas sagrando. O porteiro solidário
me socorreu e enquanto me ajudava a estancar o sangue me perguntava insistentemente:
"Está tudo bem, senhor?"
Queria chegar
ao meu limite, vencer o cansaço da minha espera, a falta de entendimento, do
espaço oco que você deixou nesse apartamento, mas o máximo que consegui foram
as mãos enfaixadas, uma casa limpa e a cama ainda vazia sem você.
E assim tem
sido os dias: eu procurando você em cada ponto da minha existência, sem achar.
Procurando pelos cantos qualquer coisa que me dê referencia sobre onde você
pode ter ido.
Quando o carteiro chegou ontem aqui em casa, tive medo da
correspondência que ele podia estar trazendo em mãos. Medo de que talvez fosse você me dando notícias,
dizendo que não ia mais voltar, mas era o livro do Bauman que você encomendou
antes de ir embora sem me deixar saber onde você ia. Não sei se senti alívio
por não concretizar seu adeus ou aflição de pensar que suas correspondências
iriam continuar a chegar e você não mais estaria aqui pra receber.
A peça do
Ulisses estreou essa semana, acho que você esqueceu do quanto ele nos queria lá
prestigiando mais esse trabalho. Ao me ver chegando sozinho no teatro, me olhou
como alguém que sabia de tudo que eu estava vivendo nas últimas semanas, embora
eu não tenha lhe falado nada. Não perguntou por você, entendeu que eu não
sairia sozinho de casa se você estive aqui na cidade.
Mazes.